O VENTO E A FLOR
O vento - nem tanto ruidoso quanto o
martelar bigorna – canto da araponga – antes melodioso tal como o assovio de
flauta doce - de tempo em tempo brindava
a flor com o frescor de brisa matinal, salpicando gotículas de orvalho, e dela,
da flor, se apropriando perfume e odor.
A flor, ingênua, nem sentia a
expropriação de seu perfume, aliás, exalava o aroma ao ar sem se dar conta do
ato, da atitude, da ação e resultado.
Ao vento, propagador do perfume da
flor ao mundo, era atribuído a boa fama de gentil, obsequioso e altruísta,
elemento benfazejo que espalhava aromas agradáveis, como se fossem seus os
aromas, ou de sua própria essência.
À flor restava a presciência da
própria beleza e encanto e cor.
Um dia, o vento, meio emburrado, cismado,
chateado da vida, sem saber bem o porquê, disse à flor:
- Sou o vento! Nada me prende, e eu
não me prendo a nada nem a ninguém. Não me prendo a coisa alguma, nem mesmo a
você, muito menos a você.
E foi-se embora, levando consigo o
perfume da flor, deixando-a imersa nos próprios pensamentos e na frase dita aos
ventos.
A flor entristecida, acabrunhada e
melancólica, perguntou ao pássaro:
- Se o vento não se prende a nada nem
a ninguém, muito menos a mim... e o amor que lhe sinto? E o amor que ele diz
ter por mim?
O pássaro respondeu:
- Sentir livre e solto é a natureza do
vento... ele nem é livre, nem é solto, porque obedece a certas regras rígidas e
imutáveis... e se mesmo assim não fosse ele obediente a determinação e lei...
estaria preso à própria essência e à ideia de livramento e liberdade.
- Mas deixe ao vento a impressão e
sensação de liberdade, até porque o amor não prende, liberta...
- Deixe ao vento a sensação de que é
livre... de que pode ir e vir a seu bel-prazer, e ele simplesmente se esquecerá
de ir embora.
A flor empertigou-se novamente,
aprumou haste e caule e rama, e abriu-se risonha à vida.
Passados poucos fôlegos da natureza –
um dia... uma noite... outro dia... outra noite – ei-lo de volta: o vento!
Voltou, melhor, retornou, como se não
tivesse ido.
Como sempre faceiro, agitado,
refrescante.
E de novo cortejou a flor, respingando
nela as frescas gotas do orvalho, para logo sair esvoaçante, espalhando o
perfume da flor pelo campo.
E assim continuou o vento a ir e vir,
soberano e altivo, cheio de si e de sua liberdade.
E a flor, não mais triste, não mais
consternada, figura em riste, exibindo-se ao sol, senhora de si, alegre com a
vida, sentia o vento ir e vir, solto e livre no próprio pensamento, mas, preso
à flor desde o início até o momento.
A flor, feliz, certa de que o vento existe
preso a ela, e o vento, alegre e contente, ciente de ser livre e solto, não
preso a ninguém!
E assim seguia a vida, no bosque, no
campo, por entre rios, e montes, e pontes: uma longa avenida.
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Ívor Barretti.
Escritor.