segunda-feira, 27 de maio de 2013

O VENTO E A  FLOR



O vento - nem tanto ruidoso quanto o martelar bigorna – canto da araponga – antes melodioso tal como o assovio de flauta doce  - de tempo em tempo brindava a flor com o frescor de brisa matinal, salpicando gotículas de orvalho, e dela, da flor, se apropriando perfume e odor.
A flor, ingênua, nem sentia a expropriação de seu perfume, aliás, exalava o aroma ao ar sem se dar conta do ato, da atitude, da ação e resultado.
Ao vento, propagador do perfume da flor ao mundo, era atribuído a boa fama de gentil, obsequioso e altruísta, elemento benfazejo que espalhava aromas agradáveis, como se fossem seus os aromas, ou de sua própria essência.
À flor restava a presciência da própria beleza e encanto e cor.
Um dia, o vento, meio emburrado, cismado, chateado da vida, sem saber bem o porquê, disse à flor:
- Sou o vento! Nada me prende, e eu não me prendo a nada nem a ninguém. Não me prendo a coisa alguma, nem mesmo a você, muito menos a você.
E foi-se embora, levando consigo o perfume da flor, deixando-a imersa nos próprios pensamentos e na frase dita aos ventos.
A flor entristecida, acabrunhada e melancólica, perguntou ao pássaro:
- Se o vento não se prende a nada nem a ninguém, muito menos a mim... e o amor que lhe sinto? E o amor que ele diz ter por mim?
O pássaro respondeu:
- Sentir livre e solto é a natureza do vento... ele nem é livre, nem é solto, porque obedece a certas regras rígidas e imutáveis... e se mesmo assim não fosse ele obediente a determinação e lei... estaria preso à própria essência e à ideia de livramento e liberdade.
- Mas deixe ao vento a impressão e sensação de liberdade, até porque o amor não prende, liberta...
- Deixe ao vento a sensação de que é livre... de que pode ir e vir a seu bel-prazer, e ele simplesmente se esquecerá de ir embora.
A flor empertigou-se novamente, aprumou haste e caule e rama, e abriu-se risonha à vida.
Passados poucos fôlegos da natureza – um dia... uma noite... outro dia... outra noite – ei-lo de volta: o vento!
Voltou, melhor, retornou, como se não tivesse ido.
Como sempre faceiro, agitado, refrescante.
E de novo cortejou a flor, respingando nela as frescas gotas do orvalho, para logo sair esvoaçante, espalhando o perfume da flor pelo campo.
E assim continuou o vento a ir e vir, soberano e altivo, cheio de si e de sua liberdade.
E a flor, não mais triste, não mais consternada, figura em riste, exibindo-se ao sol, senhora de si, alegre com a vida, sentia o vento ir e vir, solto e livre no próprio pensamento, mas, preso à flor desde o início até o momento.
A flor, feliz, certa de que o vento existe preso a ela, e o vento, alegre e contente, ciente de ser livre e solto, não preso a ninguém!
E assim seguia a vida, no bosque, no campo, por entre rios, e montes, e pontes: uma longa avenida.       
  

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              Ívor Barretti.
                 Escritor.